7 de mar. de 2012

Crônica - O homem de três corações


Giovani Iemini*

Desde cedo me acostumei com a reação das pessoas quando eu contava que meu pai era de Três Corações  cidade do Pelé!

Me envaidecia, a maioria das cidades de pessoas que vieram para Brasília era desconhecida. A do meu pai não, lá tinha nascido uma das celebridades mais famosas do mundo. As outras eram Beatles e Jesus Cristo. Meu pai, cristão, adorava os Beatles mas, curiosamente, não gostava muito do Pelé  o negão nunca fez nada pela cidade.

Eram os anos oitenta, Pelé ainda não descobrira o marketing de se mostrar “um homem de três corações”.

Os anos passaram, as ações humanitárias e pacíficas do Pelé confirmaram-se legítimas e originais, sua imagem firmou-se com uma amplitude superior a do atleta do século. Sua cidade tornou-se quase nazarena, uma meca do profeta boleiro. Meu pai continuava não gostando dele  agora se aproveita da imagem da cidade.

Me divertia essa bronca desmotivada. Eu estava ainda mais satisfeito com a ligação da minha família com uma personalidade tão mundial. Então, inauguraram uma estátua enorme do rei no balão de entrada da cidade. Ele está socando o ar, sua pose mais conhecida, contudo, pitorescamente, parece também estar jogando uma pedra. Alguns, maldosamente, dizem que joga uma pedra sobre Três Corações. Meu pai detesta a estátua. Afinal, qual seria o motivo de seu desprezo?  contra o Pele? Nada. É um grande sujeito, pessoa nobre.

Finalmente entendi a visão tricordiana de meu pai. Ele era orgulhoso de Três Corações, independente do Rei do Futebol também ser dali. Achava que a cidade fez mais pelo atleta que o atleta por ela, era como se nascer em Três Corações fosse uma vantagem para o Pelé, não o contrário. Mesmo que ele não se tornasse quem é, ainda seria um favorecido por ter nascido lá. Para meu pai, quando o Pelé entendeu isso, ele se aproveitou da cidade sem oferecer nada em troca, diretamente ou não, pois a cidade não ganhou com sua imagem, embora seja a Nazaré do Nascimento, nunca houve o lucrativo turismo ou algum benefício do estado.

Essa percepção era partilhada por todos: o Pelé era um cara legal, mas como todos os outros da cidade, era apenas mais um abençoado tricordiano, agraciado pela felicidade e o marketing de ser uma pessoa de Três Corações.

E eu compreendi que o orgulho que eu sentia ao descobrirem que meu pai nasceu em Três Corações era similar. Não era o Pelé que tornava a cidade especial, era o meu pai. O verdadeiro homem de três corações era ele.

Ele era meu pai, oras, para mim, a pessoa mais famosa do mundo.



*Giovanni é escritor, mora em Brasília (DF), é filho de João Flávio Iemini e neto da professora Clotilde Iemini de Rezende Brasil.

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